Viva os Mestres e Mestras da Cultura do Ceará!

Fala de Fabiano Piúba, secretário da Cultura do Ceará, para receber os novos Mestres e mestras da Cultura. Uma tarde para celebrar a cultura tradicional popular e a chegada dos novos mestres e mestras da cultura. O Theatro José de Alencar ficou lotado na tarde da segunda-feira, 25/6, com o evento de diplomação de 16 novos mestres e mestras da cultura, dois grupos de tradição e uma coletividade selecionados através do Edital dos Tesouros Vivos da Cultura da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). Confira:

Os Mestres da Cultura
são seres ancestrais
seus conhecimentos
vêm de tempos atrás
recriados no agora
pro futuro e muito mais.

Os Mestres da Cultura
são seres de educação
transmitem seus saberes
com amor no coração
suas artes e ofícios
de geração em geração.

Os Mestres da Cultura
são seres de imaginação
cantam e bailam o sagrado
com louvor e devoção
fazem da brincadeira a festa
de alegria e animação.

Os Mestres da Cultura
são seres de criação
inventam novos mundos
com palavras, cores e mãos
tecendo e tramando a vida
com abraços de irmãos.*

Seres ancestrais. Seres de educação. Seres de imaginação. Seres de criação. Os mestres e mestras da cultura são pessoas feitas da natureza dos tempos eternos. São senhores e senhoras de memórias que trazem consigo saberes e fazeres ancestrais que atravessam os tempos. Mas seus saberes não ficam abandonados em baús mofados nalgum canto do esquecimento. São compartilhados de mão em mão, de boca em boca, por entre gerações em ambientes comunitários e solidários de transmissão de saberes. Cada mestre e mestra é assim, um ser de educação que ensina seus conhecimentos como uma missão de vida.

Seus saberes não estão estancados no tempo, inertes e desprovidos de movimento e vigor. Muito pelo contrário. Quando dizemos que são seres de imaginação é porque estão concebendo, pensando, elaborando sua própria temporalidade no aqui e no agora. Ao tempo que são guardiões de memória e ancestralidades, são seres de criação. Estão tramando e tecendo, inventando e reinventando, criando e produzindo suas artes e ofícios como expressões contemporâneas. Sim, cultura popular é cultura contemporânea. Patrimônio cultural vai para além da mera noção de preservação e proteção. Patrimônio cultural é criação.

Assim sendo, o reconhecimento e a valorização dos mestres e mestras da cultura do Ceará estão inseridas em uma política de salvaguarda do patrimônio cultural, garantidas pela Lei 13.351/2003 e a Lei 13.842/2006 que instituem o registro dos Mestres e dos Tesouros Vivos da cultura tradicional popular. Por meio de seleção pública, os mestres agraciados passam a receber um auxílio financeiro vitalício no valor de um salário-mínimo e os grupos tradicionais recebem apoios para fomentar suas atividades. Mas, para além da salvaguarda, os mestres se inserem na política de fomento às artes em seus processos criativos e de difusão, bem como nas ações de formação no campo artístico e cultural e na programação da rede dos equipamentos culturais da Secult. Mas nada se compara ao momento da realização anual do Encontro Mestres do Mundo.

O Encontro Mestres do Mundo é de uma boniteza comparada com uma noite enluarada no sertão, as festas juninas com terreiros abrasados pelas fogueiras, o céu negro salpicado de estrelas, as nuvens bonitas para chover, um baile de baião, uma roda de samba ou de ciranda. Ou seja, coisa mais linda não há. Durante os dias em que acontecem o Encontro, os mestres e mestras se reúnem para alimentar seus corpos e espíritos e fortalecer as amizades que nutrem entre si, enquanto oferecem para o público suas artes e ofícios numa grande celebração noturna que chamamos deTerreirada. Pelas manhãs e tardes, os ambientes são tomados por rodas de memórias e de saberes onde os mestres e mestras renovam suas esperanças e trocam experiências e tecnologias a partir de suas artes, ofícios e vivências culturais. A presença de pesquisadores e professores é marcante nesses momentos, assim como é lindo de se ver o envolvimento e a interação dos jovens – na sua maioria estudantes e artistas – com a poesia, a música, a dança e o artesanato dos mestres e mestras que circulam nessas rodas. Durante a noite o Encontro Mestres do Mundo vira uma grandeterreirada a céu aberto. Vista da lua, certamente parece com uma grande fogueira. Mas a luz, na verdade, são as luzes que emanam de cada mestre e mestra que são as estrelas dos espetáculos que compõem a programação artística do Encontro.

Em 2017 a décima primeira edição teve um sabor especial. Comemoramos o recebimento do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, maior do Brasil na área de Patrimônio Cultural, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que premiou em primeiro lugar o Encontro Mestres do Mundo na categoria de iniciativas de excelência e de referência em promoção, difusão e educação do patrimônio cultural. No dia 24 de outubro de 2017 fomos ao Rio de Janeiro nas companhias da Mestra Dina e do Mestre Zé Pio para recebermos o Prêmio no Teatro Municipal da cidade maravilhosa. Na verdade, esse Prêmio não é só da Secult. Os verdadeiros agraciados são todos os mestres e mestras da cultura popular e tradicional do Ceará. Por essa razão, entregamos um certificado para cada um desses senhores e senhoras, compartilhando o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade em reconhecimento às suas atividades e experiências em prol da cultura cearense.

A partir de 2016 com a Lei 16.026 que institui o Plano Estadual de Cultura sancionada pelo Governador Camilo Santana, estabelecemos na Secult um processo de qualificação dos Tesouros Vivos no âmbito da política de patrimônio cultural, passando pela meta de ampliação dos beneficiados e pela qualificação dos processos de transmissão e difusão de suas artes e ofícios. A meta 06 do referido Plano implica em “reformular a Lei dos Mestres da Cultura, aumentando em um terço o número de mestres contemplados, atingindo 80 mestres até 2018, promovendo interação entre os mestres diplomados e as escolas, com destaque em ações de difusão, transmissão de saberes e o título de notório saber pela UECE.

Nesse sentido, em uma ação inédita no Brasil, a Universidade Estadual do Ceará (UECE) outorgou em 2016 o título de Notório Saber em Cultura Popular e Tradicional pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) para todos os mestres e mestras reconhecidos pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Foi uma solenidade simbólica e inaugural presidida pelo Magnífico Reitor Jackson Sampaiona FAFIDAM, Limoeiro do Norte. A UECE é a primeira universidade brasileira a reconhecer de forma integral os saberes tradicionais e populares dos mestres e mestras da cultura. Trata-se de uma ação política institucional pioneira com uma relevância acadêmica substancial. A UECE abriu as muralhas das universidades para o debate em torno do reconhecimento desses saberes com a outorga do título de notório saber. Trata-se de uma conquista mútua e recíproca. A vitória não é só dos mestres e mestras, é também da própria UECE que, ao reconhecer esses saberes, incorpora-os ao seu universo acadêmico como dimensões importantes na construção do conhecimento.

Mas, para além das dimensões simbólica, política e institucional, vale destacar a dimensão prática desse ato. Com esse título, agora os mestres podem lecionar em escolas de ensino fundamental, médio e superior dando aulas espetáculos, oficinas, cursos e disciplinas. No âmbito do Programa Escolas da Cultura estamos realizando o projeto Escolas com os Mestres com ciclos nas universidades e com aulas nas Escolas de Tempo Integral do Ensino Médio em parceria com a Seduc. A partir de agosto – no segundo semestre de 2018 – iniciamos essas atividades. Os estudantes das Escolas de Tempo Integral da Seduc vão ter a oportunidade de aprender e conviver com os mestres e mestras da cultura do Ceará em seus processos de ensino-aprendizagem tanto no tempos eletivos do ambiente escolar, como também vivenciar experiências formativas nos ambientes de trabalho dos próprios mestres e mestras, reconhecendo e valorizando seus lugares, como os ateliês, oficinas, terreiros, museus orgânicos e outros espaços próprios de trabalho e de transmissão de seus saberes, artes e ofícios.

No dia 20 de junho de 2017, numa bela noite sertaneja no terreiro de reisado do Mestre Aldenir no Crato, o Governador Camilo Santana sancionou a lei que amplia o número de mestres da cultura de 60 para 80 beneficiados. Hoje estamos aqui no Theatro José de Alencar justamente para certificar mais 16 novos mestres e mestras da cultura do Ceará, 02 grupos de tradição popular e uma coletividade, selecionados por meio de edital público, resultado dessa determinação de nosso Governador:

Mestra Rita de Cássia da Cunha (Sobral). Doceira. É famosa por sua receita de um prato tradicional: o fartes, primeiro doce português a chegar no Brasil.

Mestra Mãe Zimá (Fortaleza). Mãe de Santo Guardiã da ancestralidade de matriz africana e da cultura afrodescendente;

Mestra Zenilda Soares (Assaré). Gastronomia artesanal. Sua receita e fabricação artesanal de linguiça é famosa em toda região do Cariri.

Mestre Pedro Bandeira (Juazeiro do Norte). Poeta, repentista e catador de viola;

Mestre Geraldo Amâncio (Cedro / Fortaleza) – poeta, repentista, trovador, cordelista e contador de causos;

Mestre Hugo Pereira (Aracati) - Dança de Coco da Majorlândia ;

Mestre Jaime Arnaldo Rodrigues (Barbalha). Ladrilheiro hidráulico

Mestre João Paulo Vieira (Meruoca). Mestre de Reisado "de Careta"

Mestre Zé Carneiro (Pacoti). Mateiro e guia das reservas naturais do Maciço de Baturité

Mestre Macaúba (Fortaleza). José Felipe da Silva. Bandolinista e mestre do Choro e do samba;

Mestre Almeida/ José Maria de Paula (Fortaleza). Brincante e Rainha de maracatu;

Mestre Zé Renato (Fortaleza). Capoeirista, fundador do primeiro grupo de capoeira de Fortaleza;

Mestre Paulão (Fortaleza). Paulo Sales Neto. Capoeirista.

Mestre Antônio Rafael Sobrinho (Tarrafas). Poeta popular e cordelista;

Mestre Chico Bento Calungueiro (Trairi). Brincante da arte popular do teatro de bonecos;

Mestre Geraldo Gonçalves - In Memorian (Assaré). Poeta Popular e declamador. Mestre Geraldo Gonçalves era primo Patativa do Assaré.

Além desses mestres e mestras, estamos certificando como grupos de tradição popular o Maracatu Az de Ouro de Fortaleza e o Reisado da Família Ramos da Serra da Aratuba. Como coletividade está sendo agraciada a Associação da Mãe das Dores e do Padre Cícero de artesãos de Juazeiro do Norte.

Nesta data de hoje também estamos lançando o novo edital para selecionar mais 11 novos mestres e mestras da cultura, cumprindo assim, a meta de 80 beneficiados pela pela política dos Tesouros Vivos, além de selecionar mais dois novos grupos de tradição e outra coletividade.

Gosto de pensar a cultura como um saber/fazer comum, como um saber comunitário e solidário de transformação de vidas e realidades. O poeta espanhol Antonio Machado nos conta que aprendeu com um camponês analfabeto de Andaluzia na Espanha, que “tudo o que sabemos, sabemos entre todos”. A cultura é, portanto, um princípio solidário e comunitário. Nesses termos, os mestres e mestras são seres comunitários e solidários. Seus saberes e fazeres são feitos para ser compartilhados entre todos e para todos de sua comunidade. Por isso, quando a cultura é cultivo, os mestres e mestras são cultivadores de suas ancestralidades para fazer florir nos tempos do agora suas colheitas culturais. Quando a cultura é arte, os mestres e mestras são artistas de suas expressões. Quando a cultura é civilização, os mestres e mestras são civilizadores de mundos diversos.

Seguindo essa mesma linha e enlace, os mestres e mestras da cultura são senhores e senhoras guardiões de saberes e fazeres, de tempos e memórias, de naturezas e culturas, de artes e ofícios. São seres de salvaguarda, mas também de criação e invenção. Sendo assim, são mestres e mestras porque são seres de comunicação e de educação: difundem e transmitem seus saberes e fazeres em suas comunidades e aonde mais são convidados para compartilhar suas artes e ofícios que são gerados nos tempos eternos. Como escreveu a educadora cearense Luiza de Teodoro, “mestres emestras são pessoas que mantêm vivos os tempos eternos do sempre contemporâneo passado de um povo”. Os mestres e mestras são assim, senhores e senhoras de tempos ancestrais, etnográficose arqueológicos que guardam nas memórias vivas de seus corpos para serem reinventados perenemente pela contemporaneidade criativa de seus espíritos.

Por fim, uma história que gosto muito de compartilhar. No Encontro dos Mestres do Mundo em 2016 conversa com o Mestre Aldenir e lhe perguntei o que é ser mestre da cultura. Ele me respondeu: “Para ser mestre da cultura a gente precisa de três coisas. A primeira é respeito. Ter respeito e ser respeitado pela comunidade. A segunda coisa é a verdade. Ser verdadeiro com a gente mesmo e com o nosso reisado. E terceiro, é preciso ter amor. Mas só existe respeito e verdade se a gente tiver amor”. Qunado fiz essa pergunta ao Mestre Aldenir, imaginava que ele falaria de que o mestre e a mestra herdam os saberes e fazeres, as artes e ofícios, as técnicas e métodos que passam de geração em geração. Sem negar nada disso, ele nos traz três virtudes humanas e éticas, afirmando a relação entre a vida e a obra, a ética e estética como nos ensinou o Grão-Mestre Patativa do Assaré, cuja vida e obra caminhavam juntas.

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